Pedagiômetro

26 de abr. de 2011

Transformações em Cuba

Não será uma tarefa fácil. São décadas de paralisia e obstáculos externos, que tornam os já enormes desafios em questões altamente complexas, com repercussões internacionais, diz Dirceu


Por José Dirceu

Sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cuba inicia o que, sem dúvida, é sua última chance de mudanças: o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, que promete reformas profundas, a começar pelo próprio partido e Estado.
Não será uma tarefa fácil. São décadas de paralisia e obstáculos externos, que tornam os já enormes desafios em questões altamente complexas, com repercussões internacionais, inclusive.
Mas como Cuba sobreviveu ao mais longo e cruel bloqueio e sabotagem, econômica e política, ao mais brutal isolamento cultural e político que uma nação e um povo já foi submetido, além das tentativas de assassinato de Fidel Castro, há chances e esperanças de êxito.
A expectativa é a de que, uma vez iniciadas as mudanças econômicas e políticas, o processo por si próprio ganhe forças e avance. Há também boa dose de responsabilidade internacional, especialmente dos países da América Latina, em apoiar tais transformações, um envolvimento que será importante ingrediente no caráter das mudanças, além de decisivo para quebrar o isolamento cubano.
As mudanças econômicas seguem a direção daquelas que vêm sendo realizadas nos últimos três anos: reforma do Estado, com descentralização e separação do partido do Estado, principalmente das funções de governo; limitação de mandatos no partido e cargos no governo a dez anos; mandato presidencial de cinco anos; mais agricultura familiar e privada; mais investimentos externos; fim da propriedade estatal sobre os serviços; permissão para a compra e venda de imóveis e veículos; permissão para os bancos conceder créditos às pessoas físicas; estímulo ao trabalho por conta própria, que dobrou nos últimos dois anos (já são 200 mil); fim paulatino da chamada libreta de abastecimento, a cesta com itens de primeira necessidade subsidiada fortemente pelo Estado.
Em seu discurso, Raul Castro foi claramente crítico a setores do partido que se opõem às mudanças e não deixou dúvidas sobre a necessidade de renovação sem a qual não haverá como o partido e a revolução sobreviverem.
Trata-se, assim, de uma nova fase do processo de transformações deflagrado há meio século, com a instituição do regime socialista no país.
Agora, Cuba está novamente de frente ao seu futuro e a seu destino: sobreviver apesar do império e não voltar a ser uma colônia dos Estados Unidos, como acontecia mesmo sendo uma República independente no passado, um regime que servia para manter as aparências.
O tempo corre contra os dirigentes e o povo cubanos. As reformas não podem esperar mais, já que a economia como está organizada hoje garante a sobrevivência do país, mas não sua coesão social e política e bem estar de sua juventude, que não pode e não quer esperar mais pelas transformações.
Por tudo isso, as decisões do VI Congresso e a renovação da direção do Partido Comunista de Cuba darão o tom das possibilidades reais de mudanças no curto prazo, como exige o atual momento histórico.

José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

20 de abr. de 2011

Os ares viciados do Palácio dos Tropeiros



Dentre os curtos períodos de vigência da democracia na história da nossa República, nenhum foi tão significativo quanto o que vivemos na última década.
A eleição de um ex-operário à Presidência da República foi uma forma corajosa e ousada de a população brasileira dizer um basta aos quinhentos anos de governos que representaram os interesses de uma minoria. A seguir, após a reeleição desse mesmo Presidente, para sua sucessão, o país ousa novamente, desta vez para alçar ao cargo máximo uma mulher, ex-militante da resistência às forças da ditadura militar que governou o Brasil por duas décadas.
Por tudo isso, creio, vivemos bons momentos de nossa história. Muito mais que o sucesso dos modelos econômico, de desenvolvimento e de justiça social iniciados nesse período, há um valor simbólico no fato de se oferecer a qualquer criança brasileira a certeza de que ela também pode ser e fazer o que quiser quando crescer. Trata-se de um ajuste de contas do Estado frente aos valores e à autoestima do povo brasileiro.
Enalteço aqui, o papel de Lula, Dilma e de todos aqueles que compuseram ou compõem seus governos, mas sem deixar de destacar os aspectos importantes que construíram o período que antecedeu a eleição do primeiro.
A reabertura democrática permitiu uma sucessão de fatos de expressiva relevância ao país. O poder do voto, os anseios, as vitórias e conquistas, as derrotas, os erros e os acertos, tudo isso teve parcela de responsabilidade na construção do Brasil de hoje.
Todo esse processo, todas essas mudanças, a evolução das políticas, as mudanças de rumo, tudo isso ocorreu em meio alternâncias de poder percebidas em nosso Governo Federal, que passou pelas mãos distintas de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula e agora Dilma.
Em Sorocaba, não. Com tantas mudanças, nesse período Sorocaba só conheceu governos do mesmo grupo político.
Sim, Theodoro Mendes, Flávio Chaves, Paulo Mendes (que voltaria após Pannunzio), Pannunzio, Renato Amary e Vitor Lippi. Todos eles integram um mesmo grupo político de nossa cidade. Mesmo com a nova situação de Amary, que não alterou seu posicionamento político, apenas trocou de legenda por razões táticas. Há mais de três décadas não se pratica por aqui a alternância de poder, tão cara à democracia.
Talvez isso explique porque tantos vícios e desvios de conduta têm sido tolerados no Palácio dos Tropeiros.
Nos últimos anos assistimos a prisões de Secretários Municipais, afastamentos, escândalos, crimes dos mais variados, condutas impróprias. E na maioria dos casos uma situação em comum, o Prefeito saindo em defesa dos que o cercam.
Há um claro desgaste da forma, do modelo de governo que esse grupo político pratica.
A recente notícia da participação do Secretário de Saúde junto a Hospitais Psiquiátricos, que recebem dinheiro público, é só mais um exemplo disso. Da confusão entre o público e o privado, do certo e do errado, do legalmente aceito e do moralmente tolerado.
Como pode alguém que percebe lucro com a “venda” de serviços de saúde (sem que sequer discuta aqui a qualidade ou a pertinência dos mesmos) ao poder público, ser ao mesmo tempo representante do próprio?
É preciso que haja um rompimento definitivo com essas práticas. Um basta seguro e convicto dito pelas vozes daqueles que, via de regra, têm sido vítimas dessa política. Ou o fazemos agora, ou enfrentaremos a bola de neve em proporções muito maiores.

Paulo Henrique Soranz
Advogado e membro da Executiva do PT/SP