Pedagiômetro

15 de dez. de 2010

Discriminação na Saúde paulista

Os tucanos continuam martelando na tecla da privatização, embora nas campanhas eleitorais fujam do tema como o diabo foge da cruz. A mais recente é uma lei que vai reservar até 25% dos leitos dos hospitais públicos (isso mesmo, um quarto das vagas) para pacientes de planos privados de saúde.
 
Por Hamilton Pereira
Sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Na semana passada, o governador Alberto Goldman (PSDB) enviou, em regime de urgência, à Assembleia Legislativa o PLC (Projeto de Lei Complementar) 45/10, que modifica lei anterior - aprovada no governo Mário Covas -, que estabelecia que as OSS (Organizações Sociais de Saúde) são obrigadas a atender somente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Iamspe (Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual). Pela modificação desejada por Goldman, as Organizações Sociais, que administram os hospitais públicos (já uma forma velada de privatização), poderão reservar até 25% dos leitos para o atendimento a usuários de planos privados de saúde.

Se aprovada, tal lei certamente vai criar uma discriminação entre os usuários da saúde pública. Vão se estabelecer duas portas e duas filas: uma para o SUS, do qual dependem 60% dos paulistas, que não têm plano privado de convênio médico; e outra para quem pode pagar pela saúde privada. O serviço público de saúde em São Paulo, que já é precário, pode, de uma hora para outra, com uma simples penada do governador, perder mais um quarto de sua capacidade.

Vale destacar que é falso o argumento de que a aprovação do PLC é necessária para a cobrança de eventuais serviços prestados pelos hospitais públicos aos planos de saúde. Já existem uma lei federal e uma estadual que estabelecem este ressarcimento. A bancada do PT vai lutar contra mais esta manobra privatista dos tucanos. Não vamos aceitar esta afronta aos usuários do SUS. Saúde é direito de todos e dever do Estado, como define a Constituição.

*Hamilton Pereira é deputado estadual pelo PT-SP

14 de dez. de 2010

Sorocaba: Obras na marginal não resolvem problema histórico

Quando da realização das obras que elevaram trechos das pistas da Avenida Dom Aguirre, em Sorocaba, escrevi por aqui que torcia para que resolvessem o problema dos constantes alagamentos ali ocorridos. Mas, também disse não acreditar que isso pudesse acontecer.
Repito o que disse à época, se fosse assim tão simples o problema já estaria resolvido. São décadas que se sucedem e o grupo político que administra Sorocaba ainda é o mesmo. O mesmo que autorizou loteamentos em regiões impróprias, o mesmo que socorre famílias vitimadas pelas enchentes com botas de borracha, enfim, o mesmo que nunca demonstrou capacidade ou grande interesse pelo assunto. Enfim, não via motivos para acreditar na obra.
Aliás, desconfio sempre das obras de emergência. As obras emergenciais nas adutoras que trazem água da represa de Itupararanga, rompidas salvo engano no início de 2004, nunca me convenceram. Assim como as que elevaram a marginal. Parece-me muito espetáculo e pouco resultado. Além, é claro, de uma boa oportunidade de realizar uma obra de vulto com dispensa de licitação.
Lamento profundamente pelo fato de tantas famílias ainda terem que conviver com o medo das chuvas. E mais ainda em saber que o município gastou milhões de reais numa obra que não atingiu seu objetivo.
Com o tempo virá a indignação. A cada alagamento a obra será lembrada. Mas, assim como no caso do piso do centro, sempre haverá quem diga que a obra funcionou. O próprio MP não chegou a atestar que o tal piso não era escorregadio?
Não sei quanto tempo levará, mas haverá de chegar o dia em que a maioria estará convencida de que essa turma do PSDB é boa de marketing, mas ruim de governo.

10 de dez. de 2010

Saúde Mental e desinformação, por Marcos Roberto Vieira Garcia



Os Centros de Atenção Psicossociais (CAPSs) foram criados no Brasil a partir de 1987, tendo um papel estratégico na substituição do modelo manicomial na Sáude Mental. Como locais abertos, não mais caracterizados como depósitos de seres humanos, os CAPSs são livres para a circulação dos usuários e seus familiares, de preferência localizados próximos às residências de seu usuários, ou seja, ser um serviço territorializado, ligado à comunidade, oferecendo um serviço integral e multiprofissional.

A Portaria 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, assinada pelo então ministro da Saúde, José Serra, e reafirmada no governo subseqüente, estabelece as regras de funcionamento dos CAPS. Em seu artigo 3º, determina que "os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) só poderão funcionar em área física específica e independente de qualquer estrutura hospitalar". O motivo de tal determinação é claro: o de evitar que a lógica de funcionamento manicomial se reproduza na forma de funcionamento dos CAPSs nascentes, permitindo que eles possam cumprir a função para a qual foram criados.

No caso específico da cidade de Sorocaba, poderíamos estar satisfeitos com as informações repassadas pela Prefeitura Municipal, de que teríamos 10 CAPSs na cidade, o que significaria o estabelecimento de uma rede substitutiva aos manicômios na cidade. Estes dados, no entanto, causam estranheza: se tantos CAPSs foram abertos, por que os leitos em manicômios não foram reduzidos de forma substancial? A resposta a esta pergunta passa por uma análise da rede dos supostos CAPSs de Sorocaba. Vamos a ela.

O primeiro grupo, de três supostos CAPS, é constituído por unidades diretamente ligadas, física e administrativamente, a hospitais psiquiátricos da cidade. Conforme informação veiculada em reportagem de um jornal local - "Conselho quer tratamento em nível ambulatorial" - em maio de 2010, são eles os denominados CAPS Infantil Vera Cruz, o CAPS II Vera Cruz e o CAPS Teixeira Lima. Estas unidades estão em claro desacordo com a legislação citada anteriormente, de independência dos CAPSs em relação a instituições hospitalares e, portanto, não podem ser consideradas Centros de Atenção Psicossocial, como de fato não o são pelo Ministério da Saúde.

Situação semelhante à anterior é a do suposto CAPS de álcool e drogas adulto, administrado pela Associação Protetora dos Insanos. Tal Associação é mantenedora do Hospital Psiquiátrico Jardim das Acácias desde a década de 50, quando o mesmo se denominava ainda Instituto de Higiene Mental "Dr. Luiz Vergueiro", e mantém com o mesmo uma relação de total interdependência, o que não lhe possibilita ser mantenedora de um CAPS pela portaria supracitada, justificando-se o não-reconhecimento por parte do Ministério da Saúde a este suposto CAPS.

O terceiro caso refere-se aos supostos CAPSs que, na verdade. configuram-se como ambulatórios especializados em Saúde Mental e são reconhecidos enquanto tal pelo Ministério da Saúde. É o caso de dos denominados CAPS II Jardim das Acácias (da avenida Dr. Armando Salles de Oliveira, no bairro do Trujillo) e um dos do CAPSs Infantil gerido pela Associação Pró-Reintegração Social da Criança (da rua Luíza de Carvalho).

É importante ressaltar que as exigências para o reconhecimento de uma unidade como ambulatório são diferentes das que se referem aos CAPS, o que significa que tais unidades, embora funcionem como ambulatórios, não podem legalmente ser consideradas como Centros de Atenção Psicossocial.

Passemos aos quatro supostos CAPSs restantes, estes sim reconhecidos pelo Ministério da Saúde enquanto tal. Todos eles são cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), como sendo de administração direta pela Prefeitura. Três deles, no entanto, são repassados de outras instituições. Uma delas, a Associação Pró-Reintegração da Criança, não será aqui questionada, uma vez que não se configura como uma instituição com histórico manicomial, sendo, portanto, legítimo o reconhecimento pelo Poder Público de uma de suas unidades como CAPS infantil, conforme a lei estadual 4.053, de 20 de agosto de 1957.

Obtivemos informações acerca do cadastramento de dois destes CAPS no plano estadual, ambos aprovados sob gestão plena do Sistema Municipal: CAPS-AD (álcool e drogas) Jardim das Acácias, na Deliberação CIB-155, de 12 de dezembro de 2006; e o Centro de Atenção Psicossocial Infantil de Sorocaba/CAPS, na Deliberação CIB-124/2006, localizada na avenida Itavuvu. O mesmo não se pode afirmar de outros dois supostos CAPS, o CAPS de álcool e drogas jovem e o CAPS II (da praça Nova York), ambos com gestão repassada à Associação Protetora dos Insanos.

O repasse da gestão de um CAPS cadastrado junto ao Ministério da Saúde como administrado diretamente pela Prefeitura de Sorocaba a uma instituição historicamente ligada, instrínseca e historicamente, a um manicômio da cidade revela, se não uma ilegalidade, certamente uma imoralidade, uma vez que a portaria que define as regras de funcionamento dos CAPS é negligenciada neste processo. O último suposto CAPS, o Ambulatório de Saúde Mental de Sorocaba, pode ser considerado legitimamente como tal, ainda que a Prefeitura prefira chamá-lo como Ambulatório em seu nome oficial.

Concluindo: uma análise mais acurada demonstra que a Prefeitura local divulga informações enganosas à população. Dos supostos dez CAPSs divulgados, apenas quatro são reconhecidos pelo Ministério da Saúde e dois

deles graças a um subterfúgio que está em desacordo com a portaria que regulamenta o funcionamento dos CAPSs. Por este motivo, apenas duas unidades podem ser consideradas legitimamente como Centros de Atenção Psicossocial em Sorocaba. As restantes podem, quando muito, ser nomeadas como ambulatórios. Chamá-las de CAPSs corresponde a uma afirmação enganadora e desrespeitosa em relação ao histórico de lutas pela reforma psiquiátrica no Brasil e à população sorocabana, que tem direito ao acesso à informação correta.


Marcos Roberto Vieira Garcia é doutor em Psicologia Social pela USP (Universidade de Säo Paulo), professor adjunto da UFSCar-Sorocaba, coordenador do Núcleo de Sorocaba da Associação Brasileira de Psicologia Social e membro do conselho gestor da subsede local do Conselho Regional de Psicologia
Marcos Roberto Vieira Garciadoutor em Psicologia Social pela USP e professor da UFscar

8 de dez. de 2010

O Rio enfrenta seus fantasmas com coragem, enquanto São Paulo prefere o silêncio



Há alguns dias o jornalista Maurício Dias iniciou seu artigo semanal na revista Carta Capital afirmando que “A sociedade só formula problemas que pode resolver. Às vezes, demora por falta de apoio social e político. Mas, quando é hora, ela resolve de qualquer maneira”.
De tudo o que li sobre as ações do governo carioca no enfrentamento ao crime organizado do estado, nada me pareceu tão verdadeiro e oportuno.
A história de ausência do estado nos morros cariocas é antiga. Começou com o fim da escravidão, quando uma cidade com população em sua maioria negra não soube desenvolver (ou melhor, não quis) políticas que acolhessem o povo liberto. Boa parte destes, é claro, viu-se obrigada a se instalar nos morros.
Muito aconteceu nas décadas seguintes. A ausência do estado no atendimento das necessidades básicas das populações produz efeitos tão óbvios, quanto cruéis, como à substituição da figura do estado constituído, pelo paralelo. Simples assim, se o poder público não cuida das demandas básicas, o crime organizado cuida como forma de garantir uma relação de cumplicidade com os que o cercam.
Daí a retidão da tese de que a omissão do estado associada à tolerância da população constrói o resultado visto no Rio.
E apenas para que não se deixe em branco outra passagem importante nesse enredo, há algumas décadas, quando o tráfico passou a andar ao lado de estruturas que serviam ao jogo do bicho e que já mantinham relação espúria com agentes das polícias, houve também uma aproximação determinante do tráfico com o estado.
O fato é que isso tudo tomou uma proporção insuportável. Algo muito mais firme e corajoso haveria de ser feito para desmontar toda essa estrutura.
E quando o Governo Federal apresentou e a então candidata Dilma insistiu na instalação das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, como instrumento de recuperação de territórios perdidos, muitos debocharam da idéia. Trataram-na como peça publicitária.
Mas eis que o governo carioca soube, de fato, ler de forma correta e completa o que por ali se passava. E enfrentou com a força necessária a questão.
Ainda há muito o que ser feito por ali, mas o recado foi dado. O Rio entendeu que a sociedade não suporta mais o modelo que até então vinha sendo tolerado.
E São Paulo? Nosso estado está livre de tudo isso?
É bem verdade que os problemas daqui, apesar de parecidos, não são iguais aos de lá.
A principal organização criminosa de São Paulo, o PCC, possui estrutura e organização diferente e mais complexa.
No entanto, o que há em comum é que suas principais lideranças, tanto quanto as de lá, comandam suas ações de dentro dos presídios.
E é justamente aí que entendo esteja o ponto nevrálgico da omissão do governo paulista. No Rio, as lideranças do crime organizado foram transferidas para presídios federais, de segurança máxima, como forma de quebrar a estrutura organizacional daqueles.
Aqui, o governo paulista, além de não reconhecer ou implementar qualquer política de segurança elaborada pelo Governo Federal, também se recusa a encaminhar líderes de facções para unidades federais. Claramente preferem o acordo com criminosos em troca de relativa paz nos presídios. Algo que acoberte ou disfarce situações como as ocorridas em 2006, quando o PCC conseguiu parar o estado com atentados.
No Rio, a sociedade está enfrentando os problemas criados por ela própria. O lamentável é perceber que o governo de São Paulo ainda não acordou para o que está construindo.