Pedagiômetro

18 de set. de 2009

LULA PROPÕE UMA "CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS SOCIAIS"

A entrevista concedida pelo Presidente Lula ao "Valor Econômico" é certamente uma das mais importantes dos últimos anos. Mostra um Lula preparado e com domínio absoluto das ações de seu governo.
Como o texto é a entrevista são longos, destaquei apenas os principais trechos.
Pra quem se interessar pela leitura na íntegra,
clique aqui.

Autor(es): Claudia Safatle, Maria Cristina Fernandes, Cristiano Romero e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico - 17/09/2009

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende mandar ao Congresso ainda este ano um projeto de lei para consolidar as políticas sociais de seu governo. A ideia é amarrar no texto da lei uma "Consolidação das Leis Sociais", a exemplo do que, na década de 50, Getúlio Vargas fez com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Diz que, para este projeto, não vai pedir urgência. "É bom mesmo que seja discutido no ano eleitoral".

Faz parte dos planos do presidente também para este ano encaminhar ao Congresso um projeto de inclusão digital. "Será para integrar o país todinho com fibras óticas", adiantou.

Na primeira entrevista concedida após a grande crise global, Lula criticou as empresas que, por medo ou incertezas, se precipitaram tomando medidas desnecessárias e defendeu a ação do Estado. "Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre, porque alguns setores empresariais brasileiros pisaram no breque de forma desnecessária".
(...)
O presidente defendeu a expansão de gastos promovida por seu governo, alegando que o Estado forte ajudou o país a enfrentar a recente crise econômica. "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas funções de bem tratar a população."
(...)
Na entrevista ao Valor, concedida na manhã de ontem em seu gabinete no Centro Cultural do Banco do Brasil, o presidente falou por uma hora e meia. Fumou cigarrilha na última meia hora da entrevista e não se recusou a falar de seu futuro político quando deixar a Presidência. "Gostaria de usar o que aprendi na Presidência para ajudar tanto a América Latina quanto a África a implementar políticas sociais, mas primeiro preciso saber se eles querem, porque de palpiteiro todo mundo está cansado". Sobre uma nova candidatura em 2014, o presidente foi direto: "Se Dilma for eleita, ela tem todo direito de chegar em 2014 e falar "eu quero a reeleição". Se isso não acontecer, obviamente a história política pode ter outro rumo".

A entrevista:

Valor: Passado um ano da grande crise global, a economia brasileira começa a se recuperar. Além do pré-sal, qual a agenda do governo para o pós crise?

Luiz Inácio Lula da Silva: Ainda este ano vou apresentar uma proposta sobre inclusão digital. E, também, uma proposta consolidando todas as políticas sociais do governo.

Valor: Inclusive, o Bolsa Família, o salário mínimo?

Lula: Todas. Vai ter uma lei que vai legalizar tudo, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Será uma consolidação das políticas públicas para sustentar os avanços conquistados. Tudo o que foi feito, até as conferências nacionais, porque nós só temos legalizada a da saúde.

Valor: Mas o governo ainda não conseguiu sequer aprovar a política de valorização do salário mínimo?

Lula: A culpa não é minha. Mandei (para o Congresso) já faz um ano e meio. Sou de um tempo de dirigente sindical que, quando a gente falava de salário mínimo, as pessoas já falavam logo de inflação. Nós demos, desde que cheguei aqui, 67% de aumento real para o salário mínimo e ninguém mais fala de inflação. O projeto que nós mandamos é uma coisa bonita. É a reposição da inflação mais o aumento do PIB de dois anos atrás. Quero consolidar isso porque acho que o Brasil tem que mudar de patamar.

Valor: O senhor vai pedir urgência?

Lula: Não. É ótimo que dê debate no ano eleitoral. Quando eu voltar de viagem, vou ter uma reunião com todos os ministros da área social e vamos começar a trabalhar nisso.

Valor: E a inclusão digital?

Lula: Esta eu quero mandar também este ano. Será para integrar o país com fibras óticas. O Brasil precisa disso. Eu dei 45 dias de prazo, ontem, para que me apresentem o projeto de integração de todo o sistema ótico do Brasil.

Valor: O que mais será feito?

Lula: Uma proposta de um novo PAC para 2011-2015, que anunciarei em janeiro ou fevereiro. Porque precisamos colocar, no Orçamento de 2011, dinheiro para a Copa do Mundo, sobretudo na questão de mobilização urbana. E, se a gente ganhar a sede das Olimpíadas, já tem que ter uma coisa mais poderosa nisso.
(...)
Valor: A capacidade administrativa da ministra Dilma Rousseff, apesar do seu pouco carisma, e a confiança que o senhor tem em seu trabalho são suficientes para fazer dela uma candidata?

Lula: Quantos políticos têm carisma no Brasil? Se dependesse de carisma, Fernando Henrique Cardoso não teria sido presidente. Se dependesse de carisma, José Serra não poderia nem ser candidato. Carisma é uma coisa inata. Você pode aperfeiçoar ou não. Sempre é bom ter um pouco de carisma. O Jânio Quadros tinha carisma. Ficou só seis meses aqui. Estou dizendo que para governar este país é preciso um conjunto de qualidades. E a primeira qualidade é ganhar eleição. Tem que ter muita humildade, determinação do projeto que vai apresentar. Tem que provar que é capaz de gerenciar. Hoje, com sete anos de convivência, não conheço ninguém que tenha essa capacidade gerencial da Dilma. Às vezes as pessoas falam ´ela é dura´. Mas é que a mulher tem que ser mais dura mesmo.

Valor: Por quê?

Lula: Porque numa discussão política, para você se impor no meio de 30 ou 40 homens, é assim. A Dilma é muito competente. Feliz do país que vai ter uma disputa que pode ter Dilma, Serra, Marina, Heloísa Helena, Aécio. Houve no país um avanço qualitativo nas disputas eleitorais. O Fernando Henrique e eu já fomos um avanço extraordinário. Fico olhando e vejo que não tem um único candidato de direita. Isto é uma conquista extraordinária de um Brasil exuberante. É evidente que Serra tem discordância da Dilma e vice-versa, mas ninguém pode acusar um e outro de que não são democratas e não lutaram por este país.

Valor: Qual é a diferença entre eles?

Lula: Vai ter. Se for para fazer (um governo) igual não tem disputa. E, aí, o povo vai escolher por beleza... Não sei se serão só os dois. Mas são candidatos de qualidade.

Valor: Privatizar ou não privatizar pode ser a diferença?

Lula: Não.

Valor: Por que o senhor é contra a privatização?

Lula: Tudo aquilo que não é de interesse estratégico para o país pode ser privatizado. Agora, tudo o que é estratégico, o Estado pode fazer como fez com a Petrobras e o Banco do Brasil.
(...)
Valor: O senhor é o presidente mais popular da história do Brasil. No entanto, este Congresso é um dos mais desmoralizados. Por que o PT fracassou na condução do Congresso?

Lula: Você há de convir que a democracia no Brasil funciona com muito mais dinamismo que em qualquer outro lugar do mundo. O PT elegeu 81 deputados em 513 e 12 senadores em 81. A gente precisa dançar mais flamenco do que em qualquer país do mundo. Você vai ter que ter mais jogo de cintura. Exercitar a democracia é convencer as pessoas, é sempre mais difícil.

Valor: Por quê?

Lula: O Congresso é a única instituição julgada coletivamente. Se não teve sessão você fala: ´Deputado vagabundo que não trabalha´. Agora, nunca cita os que estiveram lá, de plantão, o tempo inteiro. Quando era constituinte, eu ficava doido porque ficava trabalhando até as duas, três horas da manhã. O Ulysses (Guimarães) ficava uma semana sem votar. Quando ele começava a votar, aquilo varava a noite. No dia seguinte, pegava o jornal, que dizia ´sessão não deu quórum porque os deputados não foram trabalhar´. Mas havia lá 200 em pé. Toda vez que vou a debates com estudantes, em inauguração de escolas, eu falo isso: ´Se vocês não gostam de política, acham que todo político é ladrão, que não presta, não renunciem à política. Entrem vocês na política porque, quem sabe, o perfeito que vocês querem está dentro de vocês´.
(...)
Valor: O que o senhor pretende fazer depois que deixar o governo?

Lula: Não sei. A única coisa que tenho convicção é que não vou importunar quem for eleito.

Valor: Todo mundo tem medo que o senhor volte em 2014...

Lula: Medo? Acho que deveria ter alegria, se eu voltasse. Na política a gente tem de ter sempre o bom senso. Vamos supor que a Dilma seja eleita presidente da República...

Valor: E se ela perder a eleição? O senhor vai se sentir pressionado pelo PT a disputar em 2014?

Lula: Vou trabalhar para o povo votar favoravelmente, mas, se votar contra, vou ter o mesmo respeito que tenho pelo povo. Se ela for eleita, tem todo o direito de chegar a 2014 e falar ´eu quero a reeleição´.

Valor: E se ela não for eleita?

Lula: Não trabalho com essa hipótese, mas obviamente que, se não acontecer o que eu penso que deve acontecer, a história política pode ter outro rumo.
(...)
Valor: Qual vai ser o discurso da sua candidata?

Lula: Vamos deixar a candidata construir. Mas eu acho o seguinte: o que eram as campanhas passadas? Quem vai controlar a inflação, o salário mínimo de US$ 100, não era isso? Isso acabou. Não se fala mais em FMI, não se fala mais em salário mínimo de US$ 100, não se fala mais em inflação.

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